O Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, classificou o seu último mandato presidencial como estável “política e socialmente”, apesar da crise económica, falando de uma oportunidade boa para o país se libertar da dependência excessiva do petróleo.
Por Orlando Castro
José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola durante 38 anos, nunca nominalmente eleito, e líder do MPLA, partido no poder há quase 43 anos (desde a independência), fez estas declarações na última reunião do seu domesticado, servil e bajulador Conselho de Ministros.
O então chefe de Estado lembrou que “em tempo oportuno” foi accionada uma estratégia para fazer face à crise, com vista a se iniciar “um novo ciclo económico de estabilidade, não dependente do petróleo, como principal fonte de receita fiscal e de exportações do país”. Principal e quase única, diga-se.
Segundo José Eduardo dos Santos, o processo de diversificação económica tem como foco, o aumento da produção interna, a redução das importações, o fornecimento do tecido empresarial nacional, a promoção e criação de emprego, bem como a diversificação das fontes de receitas fiscais e de divisas.
Para além de dizer o que está escrito em qualquer manual de economia, esqueceu-se de referir que há dezenas de anos ou, pelo menos, desde 2002 (com o fim da guerra civil) deveria ter apostado nessa diversificação que agora ainda está (sejamos optimistas) na fase embrionária.
A capacidade de rapidamente se encontrar soluções para ultrapassar os problemas mais prementes e da adaptação às contingências objectivas dos contextos internos e externos foi um dos traços fundamentais, que caracterizaram o mandato do seu Governo, considerou José Eduardo dos Santos num (mais um) manifesto atentado à inteligência dos angolanos, não tanto à dos seus acólitos que consideram (até João Lourenço chegar ao trono) tudo o que diz como um acto divino e que, além disso, só pensam o que o chefe pensa.
O apoio “inestimável” dos membros do executivo (incluindo o de João Lourenço), foi realçado por Eduardo dos Santos, na superação e vitória dos múltiplos obstáculos que surgiram nos últimos anos. O que José Eduardo dos Santos chama de apoio “inestimável” não passa de manifestações caninas de um exacerbado culto ao chefe, tal como acontece noutras relevantes democracias do mundo, casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial. Fidelidade canina que muda, este fim-de-semana, para João Lourenço.
“Foi porque vocês souberam colocar à disposição do país as vossas capacidades, aptidões, conhecimentos e vontade de triunfar, assumindo com responsabilidade e sentido de Estado, os deveres de que estão incumbidos pela lei e pela Constituição da República”, disse o ex-Presidente.
Se Angola não fosse – por exemplo – um dos países mais corruptos do mundo, não fosse o país com o maior índice de mortalidade infantil e não tivesse 20 milhões de pobres (para além da mulher mais rica de África, por sinal sua filha), até daria para rir com esta anedota contada por Eduardo dos Santos.
Para José Eduardo dos Santos, o processo eleitoral de 23 de Agosto constituiu a prova de que “as sementes lançadas à terra estão a germinar e de que o povo angolano vai, de certeza, colher bons frutos, a médio prazo”.
O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Com o poder absoluto que tinha nas mãos, José Eduardo dos Santos foi um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, que mais tempo esteve em exercício.
Nada, mesmo nada, abona do ponto de vista democrático, humano e civilizacional a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola.
Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer Estado de Direito Democrático tal não seria possível.
Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África continua a ser um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições manipuladas a fraudulentas são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com Eduardo dos Santos passou-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que tinha razão) a única via para mudar de dono do país. Mas, ao fim de todas estas décadas, a situação é a mesma. O dono do país continua a ser o MPLA.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico. E assim vai continuar. Afinal, só mudou o rei. Os escravos continuam a ser os mesmos e o reino também.
É muito mais fácil negociar (a China que o diga) com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com um partido que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante dezenas de anos, do que com algum que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com a elite do MPLA, muito mais fácil negociar com o líder de um clã partidário que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com um outro que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Reconheça-se, entretanto e nesta hora de despedida, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Todos sabem que Eduardo dos Santos, e agora João Lourenço, não têm as mãos limpas de sangue. Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha tido, enquanto detentor do poder, milhões de seguidores, sejam militares, políticos, empresários ou jornalistas. Também não admira que todos eles estejam agora com João Lourenço.
É claro que, com um ou com o outro, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder.
Até um dia, como é óbvio. E esse dia não é amanhã, nem depois de amanhã. Isto porque agora vão apenas mudar algumas moscas. Esse dia será quando José Eduardo dos Santos e o MPLA forem julgado pelos crimes cometidos e quando Angola for o que nunca conseguiu ser nestes 42 anos: uma democracia e um Estado Direito.